14.12.07

Surpresa no Táxi


O calor estava insuportável naquele dia. O sol a pino e o bafo quente denunciavam que a cidade estava próxima de virar a réplica ampliada de uma sauna seca. Dois executivos desembarcaram do avião vestindo paletó e gravata. Esperaram longos minutos por suas bagagens, que insistiam em não aparecer na esteira, mesmo após umas cinco voltas completas. Enquanto isso, o suor escorria por suas faces. Tudo que eles queriam naquele momento era ir para o hotel tomar uma ducha fria, antes da reunião de trabalho à tarde.

Quem visse aquelas figuras de longe perceberia facilmente que eles não eram nativos do nordeste do Brasil. A pele muito clara e os cabelos loiros fariam qualquer um afirmar que eram escandinavos. Quase isso: O mais velho – um senhor de 52 anos, atarracado e de barba branca, era dinamarquês. O outro era brasileiro, nascido em Santa Catarina e, como tantos conterrâneos seus, descendente de alemães.

A viagem tinha tudo para ser um sucesso: investidores dinamarqueses pretendiam construir um belíssimo resort no ensolarado e acessível em uma paradisíaca praia do Brasil. Nenhum dos dois conhecia aquela cidade. Por isso, passaram a caminhar lentamente pelo saguão do aeroporto à procura de um táxi que os levasse até o oásis, perdão, hotel.

Foram abordados por um sujeito baixinho, magrinho, moreno e muito falante que, de forma espantosamente cortês se ofereceu para levá-los ao destino. Logo perceberam que era um motorista de táxi. O rapaz andava na frente com as malas em direção ao veículo, enquanto os executivos o acompanhavam de perto conversando em inglês.

Ao chegarem diante do carro, tiveram um grande susto. O trajeto até o hotel seria feito num Ford Del Rey 1982! É isso mesmo... Um Del Rey! O executivo dinamarquês ainda ensaiou desistir de ir naquele carro velho. Mas logo foi desaconselhado por seu colega brasileiro – afinal de contas o rapaz havia sido tão agradável e eficiente... Passaram alguns minutos discutindo se iam ou não, na presença do motorista. Finalmente decidiram ir assim mesmo. O mais novo sacou um papel do bolso do terno para dizer o nome do hotel. O motorista então, retrucou: - “O sr. é brasileiro?” - “Sim, catarinense”, informou ele, fazendo questão de mostrar que não era adepto de conversinhas ocasionais com taxistas. Mesmo assim, teve que ouvir outra pergunta indiscreta: “Mas seu colega não nasceu no Brasil, não é?” – “Não. Na Dinamarca!”, disparou ele, secamente.

Finalmente entraram no carro e sentaram no banco de trás. Será que aquilo poderia ser chamado de banco? Bem a uns vinte anos atrás ainda poderia... Hoje só com muita generosidade! A espuma que insistia em sair pelos rasgos no tecido denunciava a idade daquele carro. Mas não apenas isso. O ronco do motor, alguns barulhos estranhos e a sensação de que algo estava folgado embaixo do veículo, deixaram os dois passageiros certos de que tinham tomado o pior táxi daquela cidade.

No trajeto de cerca de meia hora até o hotel, o desconforto causado pelo calor, pelas roupas inadequadas e por um carro com ar condicionado quebrado só aumentava o nível de irritação dos passageiros. “Definitivamente, não devíamos ter tomado esse táxi”, disse o dinamarquês, com uma expressão de desagrado, quase nojo. Como o motorista era brasileiro, ele continuou seu desabafo, fuzilando o companheiro que tinha insistido em entrar no carro. “A primeira impressão que estou tendo de seu país é a pior possível”. “É nisso que dá querer investir em países do Hemisfério Sul”. “Na Dinamarca um veículo desse já teria virado sucata reciclável, há muito tempo”. “Isso é uma ameaça ao meio ambiente”. “Olhe para esse motorista. Veja como ele se veste”. “Sinceramente começamos muito mal nossa curta estada neste maldito país!!!”. O executivo brasileiro resolveu ficar quieto, tentando assim fazer com que aquele acesso de fúria terminasse logo... Já o taxista, estava atento ao trânsito, não dando nenhuma atenção àquele gordinho vermelho que tagarelava em inglês sem parar...

Chegando ao hotel cinco estrelas, o Del Rey chamou atenção de todos na recepção. Alguns mensageiros nem conheciam aquele carro... Logo as malas foram desembarcadas e o taxista informou ao passageiro que falava português que o valor da corrida era de R$ 38,00. Duas cédulas novinhas de R$ 20,00 foram oferecidas a ele, seguidas da expressão: “Fique com o troco.” Ele recebeu o dinheiro e disse: “Não senhor. Quero apenas aquilo que me é devido. Aqui está o seu troco”. E continuou: “Antes de vocês partirem, tenho uma explicação a dar.” Os passageiros se entreolharam, sem entender o que era aquilo, mas por senso de civilidade, permaneceram de pé diante do taxista. O dinamarquês demonstrava certa impaciência ao olhar o relógio. “Que explicação esse pobre rapaz quer nos dar?” pensou o brasileiro.

A resposta veio rápida e objetiva. Olhando nos olhos do catarinense, o taxista disse: “vou falar em inglês para que ambos entendam”. E começou a explicar que o carro dele era um Del Rey velho não por que ele quisesse, mas sim por que estava recomeçando a vida no Brasil após uma experiência malsucedida no exterior, quando foi lesado por uma agência de empregos inescrupulosa. Em dado momento, ele disparou: “agora vou continuar em dinamarquês, a língua do seu amigo”. Para esse, o tom foi mais severo: “como um homem da sua idade age dessa forma? Por que não respeita as pessoas? Saiba que usar a língua como escudo é uma péssima idéia. O senhor não está honrando a imagem do seu povo.”

Ditas essas palavras, entrou no carro e acelerou... Enquanto o Del Rey desaparecia na avenida movimentada, os dois ficaram estáticos e calados. O brasileiro se perguntava: “como isso pôde acontecer? Apenas 5 milhões de pessoas no mundo falam dinamarquês...” Já seu companheiro de viagem balançava a cabeça incrédulo, pensando - “Realmente, o Brasil é um país surpreendente!”