28.2.08

Domingo no ônibus


A subida íngreme testava os limites da resistência do ser humano. Cada passo era um pequeno sofrimento a ser vencido. Depois de um agitado domingo na praia, eis que era hora de voltar para casa. O relógio já marcava quase cinco e meia da tarde... O fim de semana escorria por entre os dedos e a TPS – tensão pré segunda feira já começava a mandar a empolgação embora.

O ponto de ônibus estava repleto. Crianças chorando, bêbados discursando em voz alta, namorados se beijando, meninos de rua à procura de gente distraída, senhoras reclamando da demora... E nada do ônibus chegar. Aos poucos, o sol ia dando adeus aos banhistas de fim de semana. Vários carrões de luxo passavam pelo ponto de ônibus acelerado. Era como se não existíssemos. Éramos mesmo invisíveis para aquela gente endinheirada? Talvez...pois estávamos na base da pirâmide e não no topo.

De longe o ônibus apontou numa curva. Todos começaram a se agitar. Nessa hora não existe fila, nem muito menos etiqueta social. É uma micro batalha pela sobrevivência. Lembrei-me da seleção natural de Darwin – só os mais aptos sobrevivem. Isso era plenamente válido para aquele lugar lotado, quente e mal cheiroso. Quem não subisse naquele momento esperaria quase uma hora pelo próximo ônibus. O transporte poderia ser representado por um mamute. Nós éramos os homens de Neanderthal prontos para devorá-lo!

Ao ver a multidão, o motorista resolveu dar vazão ao seu lado sádico. Parou uns 20 metros após o ponto, só para ver a “galera” correr feito louca. Talvez quisesse se sentir poderoso ou descontar em cada um de nós a frustração da briga que tivera com a mulher em casa... Agarrei-me tal como um alpinista faria num desfiladeiro perigoso. Senti-me aliviado quando consegui entrar! Sentia-me um vencedor, pois um grupo de pessoas simplesmente não conseguiu subir e foi deixado para trás...

O espaço era mínimo. Como o veículo estava lotado, não havia liberdade de movimentos. Depois de uns 15 minutos de trajeto, eis que o stress das pessoas começou a aflorar. Instalada lá atrás, uma dupla de violeiros gordos insistia em tocar seus instrumentos. Era um bléin, bléin, bléin horrível e irritante. Piores, só os versos que eles estavam cantando(?!). O povo começou a vaiar e exigir que calassem a boca.

Resolvi tentar avançar um pouco mais. Parei diante de um homem que ouvia um jogo de futebol pelo rádio. Não só ele, mas todo mundo que estava próximo, pois estava no volume máximo. Quando seu time fez um gol ele vibrou como um louco, berrando no ouvido de todo mundo. Quase gerou outro tumulto com alguns passageiros que torciam para o time adversário, que se sentiram ofendidos com os palavrões que ele berrava contra a outra torcida.

De passagem vi uma menina de uns 18 anos dizer uns desaforos para um malandro que aproveitava as curvas que o ônibus fazia para jogar seu corpo sobre o dela, se esfregando de propósito. Ela, inclusive, ameaçou aos gritos, chamar a polícia. Como atraiu a atenção do pai dela e de outros passageiros que passaram a empurrá-lo, dando-lhe alguns tapas, o tarado resolver descer logo, antes que a situação piorasse para ele.

Avancei mais para perto da saída do ônibus. Que péssima idéia... Um vendedor ambulante de óculos estava poluindo aquele ambiente. Levando uma bolsa enorme cheia de mercadorias, o sujeito fedia e não era pouco!!!Era uma mistura de bafo de cana com suor. O odor era tão forte que nem o vento que entrava pela janela conseguia vencer. Dava a impressão, inclusive, que era contagioso. Tentei prender a respiração, mas vi que não era uma boa estratégia.

Quando finalmente consegui chegar ao cobrador, pagar e passar pela roleta, eis que o ônibus parou. Como vinha muito rápido, precisou dar uma freada brusca. Não, não era mais uma parada. Era uma blitz. A noite já havia chegado a essa altura. Um policial de escopeta em punho ordenou que todos descessem. A chiadeira foi geral mas, apesar das reclamações, ninguém queria criar problemas com a polícia. Fiquei um tempo de pé aguardando. Logo depois a polícia liberou todo o grupo. Como estava a cerca de dois quilômetros de casa, resolvi abandonar a idéia de ir de ônibus e fui a pé mesmo.

Não levava nenhum pertence de valor. Apenas a certeza de que passaria muito tempo sem ir à praia novamente, de ônibus. Na verdade, estava cheio desse tipo de transporte. Queria agora tomar um bom banho, matar a fome e relaxar – pelo menos por algumas horas, já que às quatro e meia da madrugada de segunda feira voltaria a entrar num ônibus para passar horas e horas revendo histórias muito semelhantes, sentado na cadeira de motorista.

2 comentários:

Desabafos & Confissões disse...

poxa, eis aí 1 dia na vida de 1 motorista de ônibus, mas no lugar de passageiro!!
muito interesante a experiência pela qual ele passou. q sirva de exemplo.

Ben disse...

Ótima crônica! Bem detalhado o ambiente! E quem nunca passou por isso??